A História das receitas
Desde sempre pautei a minha vida pelo estudo em várias áreas, sendo que a História da Gastronomia foi sempre dos meus temas favoritos.
Saber sobre as histórias das receitas ajuda-nos a entender qual o caminho do receituário nacional, as nossas tradições, costumes e, sobretudo, compreender a introdução de produtos no nosso quotidiano culinário.
Hoje, somos bombardeados por novos produtos que nos chegam de todos os cantos do mundo e que vão alterando os hábitos alimentares. O mesmo aconteceu no passado, a diferença é que há uns séculos houve a introdução de alimentos não apenas no dia a dia alimentar, mas também na agricultura. Ou seja, quando eram apreciados rapidamente alguém os lançava à terra e assim começavam a fazer parte, também, do regime agrícola.
Há excepções, raras, como são os casos do café e do cacau, que nunca foram produzidos de forma significativa em Portugal, por questões climatéricas. Mesmo o chá e o açúcar foram tentados com algum sucesso, mas passaram dificuldades. No caso do açúcar da Madeira acabou por ser abandonado porque outros países conseguiam produzir mais e mais barato. Algo parecido aconteceu com a laranja dos Açores, quando os laranjais californianos acabaram com a exportação para os E.U.A., e quando a grande crise financeira de 1873-1896 na Europa forçou uma mudança na agricultura das ilhas. Nessa altura, finais do século XIX, começaram novas plantações de chá e de ananás.
O plantio de novas espécies na Europa no período da globalização, iniciada pelas Descobertas Marítimas, funcionou sempre mais como uma tentativa de aumentar a produção do que pelo gosto dos alimentos. Muitos até tiveram dificuldade em angariar apreciadores, como foi o caso da batata e mesmo do tomate, vindos das Américas (em Portugal, durante séculos só eram comidos depois de cozinhados, pois julgava-se serem venenosos em cru). Outros hortícolas forasteiros modificaram por completo a agricultura nacional, entre eles o milho, responsável pela diminuição do grau alcoólico dos vinhos minhotos, devido à rega dos milheirais.
A questão da moda culinária, hoje, terá ainda maiores custos ambientais. São exemplos a quinoa, o abacate, as sementes de goji, entre outros. Num tempo onde abundam estudos e informações científicas isto é particularmente inaceitável. Mas a ganância humana é sempre superior à lógica e ao bom senso. É verdade que se podem assim salvar muitas toneladas de petróleo e emissões de CO2 para a atmosfera. Mas a que preço?
Numa região como a do Algarve — que vive em seca há vários anos e com riscos enormes devido às mudanças climatéricas, que dão aquela zona como estando em perigo de vir a tornar-se num deserto — vemos, por exemplo, o crescimento massivo da produção de abacate. Em duas plantações com cerca de 200 hectares o gasto de água é de 3,5 milhões de litros de água por dia, segundo números da Direcção Regional de Agricultura e Pescas.
Esta situação, como outras, devia fazer-nos pensar antes de alterarmos os nossos hábitos alimentares em nome de modas ou promessas de saúde.
Esta moda dos super-alimentos messiânicos, que nos são oferecidos como elixires da juventude, é nos passada por vezes por pessoas que se dizem grandes defensores ambientais. Elas desconhecem, em verdade, os impactos brutais que estas mudanças alimentares acarretam quer para as pessoas, quer no meio ambiente.
Recordo-me de, há uns anos, haver grandes programas de incentivo ao consumo de óleo vegetal em detrimento do azeite; do leite de lata em vez da amamentação materna. Recordo-me de se promover os grandes benefícios da soja, na actualidade responsável por parte da destruição da floresta amazónica e de vários estados do Brasil.
Por isso, continuo a dedicar-me ao estudo do receituário ancestral, sabendo que a chave do sucesso, quer da alimentação quer da agricultura, está na responsabilidade de todos em sabermos que a nutrição é de extrema importância. Mas não a podemos subjugar a modas e conceitos efémeros. Temos de entender que o que importa é um retorno sério e consciente à terra, o respeito pelo produto, pelo produtor, pela distribuição em proximidade, o entendimento e respeito pela sazonalidade e biodiversidade e uma diminuição drástica no consumo de proteína animal. Aqui, sim, está a chave para mais saúde e para um ecossistema melhor.
A História sempre nos indicou os caminhos a não seguir. A História da Alimentação tem-nos mostrado que as modas alimentares são tiques de países ricos. Nos pobres, estas modernices não passam de miragens.